Desenhando na Era Web
Versões simplificadas da cultura tecnológica passam pela crença (ingênua) de que as formas “tradicionais” de arte e de meios técnicos (pintura, escultura, desenho) desapareceriam, e que as “novas” ferramentas do artista seriam o teclado, o pixel, a web e os dispositivos tecnológicos.
O trabalho de artistas como Xikão Xikão nos demonstram, porém, que os desdobramentos e diálogos com o universo digital, com as redes sociais, com as interfaces computacionais são bem mais sutis, agudos e complexos, e que nossas relações simbólicas e iconográficas, a cultura visual e as sensibilidades que emanam dessas relações entre tecnologia e arte são bem mais ricas e nuançadas que a simples mudança das ferramentas e dos suportes.
Xikão Xikão é, dentre outras coisas, um desenhista nato, isto é desenha como quem respira, como quem toma banho, como quem escova dentes. O pincel, o papel, os pigmentos fazem parte do seu dia a dia. E nem o seu apelo e gosto pela cultura digital, nem a sua imersão e pesquisa, também cotidianas, no universo das redes, nem o seu envolvimento e diálogo permanente com outros mediums ou meios técnicos (performance, vídeo, fotografia, etc.) fazem com que ele abandone essa forma básica de expressão e criação.
É, no entanto, conjugando ainda o arcaico verbo “desenhar”, e usando os velhos suportes físicos tradicionais (papel, vidro, espelhos) que Xikão Xikão dialoga com esse dilatado universo das redes, plataformas de informação, da web, etc.. E, curiosamente, a sua entrada para dialogar com essas plataformas vai à mesma direção das linguagens visuais, dos códigos iconográficos que, justamente, abriram os segredos da usabilidade, e desvendaram o mistério do computador para o grande público, permitindo a entrada massiva, e definitiva, do computador nos nossos lares e nosso dia a dia.
Não existem lixeiras, canetas, tesourinhas, borrachas nem pastas nos nossos computadores, é claro. Essas interfases icónico-gráficos foram desenvolvidos, justamente para que pudéssemos "falar" com o sistema operacional. Eles deram forma a uma língua comum, simplificada e universal que nos permitiu estabelecer interfases com a linguagem binaria sem ter que estudar programação nem sistemas operacionais. Códigos do tipo CTRL+C (copiar), CTRL+V (colar) foram uma das "línguas" desenvolvidas para "falar" com o sistema, mas houve também cartões furados, no início, e muitas outras engenhocas. De fato, não é acidental que as curtidas de Facebook, o punho fechado com o dedão para cima ou para baixo, as mãozinhas aplaudindo, as carinhas sorridentes, tristes, bravas, etc. tenham virado tão universalmente usadas: eles constituem uma forma rápida e simplificada de comunicar, mais do que isso esses "iconogramas" constituem a base de todo o linguajar falado hoje no universo comunicacional-operativo do digital.
E também não é acidental que o compartilhamento de imagens (fotos, GIF’s, vídeos, flyers, ícones e /ou logomarcas) seja um dos usos mais frequentes que damos ao tempo que diariamente investimos (ou desperdiçamos) perante nossos laptops.
Esse é o universo que Xikão Xikão escolheu para falar do universo: o mundo da imagem na era da web. E se o universo "real" já era rico, vasto e infinito, o desdobramento dele para o mundo da imagem acrescenta exponencialmente as suas riquezas e sua diversidade. Um emoji feliz do Whatsapp não é só uma cara sorridente, ela é um grafema, um estilo, uma cor, um sistema comunicacional, cultural, expressivo, um estilo e uma forma particular de felicidade.
Se alguma vez me assalta a dúvidas sobre a qualidade do tempo que eu mesmo passo no Facebook (perdido? ganhado? trabalho de graça para Zuckenberg?) depois de ver os desenhos do Xikão Xikão não tenho dúvidas sobre a qualidade do tempo que ele passa nas redes sociais: é tempo de pesquisa, de inspiração, de criação, de questionamentos sobre nós, seres humanos na era do pixel.