Selfie-design

Todos nós sabemos que as diversas tecnologias de comunicação que usamos em nossa vida cotidiana redimensionaram intensamente nossas formas de presença e visibilidade na vida social repercutindo diretamente em nossas subjetividades. As obras que Xikão Xikão nos apresenta em Selfie service, terceira exposição selecionada pelo edital para jovens artistas mineiros do Memorial Minas Gerais Vale, tomam como matéria prima os dispositivos e as estratégias do ambiente online com suas imagens e formas específicas de interação. No domínio das trocas simbólicas efetuadas nas redes sociais vemos identidades fluidas que se associam a um conjunto de estratégias de visibilidade que colocam a imagem como um ponto central na constituição do que somos e do que desejamos ser, especialmente em relação ao outro e seus modos de interação e avaliação na economia inflacionada e muito valorizada dos likes e shares. Uma espécie de self-design, como caracteriza Boris Groys.

Segundo Groys, as questões do design são apenas tratadas de forma adequada se o assunto for colocado em relação ao modo como o sujeito quer se manifestar, ou seja, a forma que quer dar a si próprio. Como esse sujeito quer apresentar-se ao olhar do Outro. Para Groys – que toma Nietzsche e o ensaio de Alfred Loos “Ornamento e crime” (retomado também por Hal Foster em Design and Crime) publicado em 1908 – essa é a questão central do design atual, uma espécie de obrigação de “desenhar a si próprio”. Já que Deus está morto, como afirmou Nietzsche, não precisamos mais de desenhar a alma para os olhos de Deus, mas a superfície de nossas corpos e vidas para o olhar do Outro e toda a complexidade que deriva disso. A questão que se coloca, tomando a reflexão de Groys é quem é esse Outro e como podemos ampliar nossas formas de contato com ele. Em contextos sociais atravessados pelas forças do capitalismo cognitivo, as performances de si construídas no imediatismo das imagens em circulação pelas redes configuram um ponto importante das dinâmicas de consumo dos padrões identitários apontando para a paradoxal dinâmica da rede que oscila entre multiplicidade e uniformidade.

As obras que Xikão Xikão nos apresenta em Selfie service acionam o cerne dessas questões em proposições que nos fazem refletir sobre todos esses processos que experimentamos diariamente nas interações mediadas pelas redes sociais, nos convocando a pensar qual lugar ocupamos nessas dinâmicas. Sutis e bem humoradas, as obras tramam jogos críticos entre palavra e imagem, assim como entre presença, visibilidade e identidade nos confrontando com práticas comuns e ordinárias que ao serem subvertidas ou deslocadas pelas obras acabam por nos alertar para nossos atuais modos de vida.

Eduardo de Jesus